Devia existir um manual de instruções para acabar relações. A verdade é que sabemos sempre começá-las, agarramo-nos aos inícios com a sabedoria dos mágicos, operámos transformações milagrosas em nós próprios e no objecto do nosso amor, de repente tudo nos é fácil e grato, sentimo-nos com asas como albatrozes, nas nossas costas cresce uma capa encarnada e carregamos no peito o símbolo do Super-homem, tudo é óbvio e santo visto assim, "o mundo não é um mundo é um jardim", como diz Florbela Espanca.
Não há nada melhor do que começar uma relação. O novo é irresistível. Descobrem-se coincidências que vão desde o mesmo nome dado ao irmão imaginário até à mesma colecção de cromos. É a primeira vez outra vez em tudo. Descobrimos o outro em nós e nós no outro. Descobrimos que afinal gostamos de futebol e sabemos cozinhar e até uma visita ao Mosteiro de Alcobaça para ver o túmulo de Pedro e Inês de Castro é muito romântico, porque foram criaturas que morreram de amor.
No inicio de todos os inícios sentimo-nos tão estupidamente felizes que seríamos capazes de morrer a seguir, porque achamos que atingimos o ponto máximo possível da felicidade.
O pior vem a seguir. Como dizia o Picasso "bom mesmo é o início porque a seguir começa logo o fim". E quando o fim chega já é tarde demais para voltar atrás. É sempre tarde demais, porque isto do amor é mesmo uma coisa complicada, começa-se do nada, vive-se na ilusão que se tem tudo, mas o que fica quando o amor acaba é um nada ainda maior. E o pior, o pior é que na primeira oportunidade repetem-se os mesmos erros à espera de resultados diferentes, o que é um boa definição de demência. E quem se considere imune a tais disparates e nunca tenha passado por estas avarias sentimentais, que atire a primeira pedra.
O Miguel Sousa Tavares escreveu "primeiro parece fácil, é o coração que arrasta a cabeça, a vontade de ser feliz que cala as dúvidas e os medos. Mas depois é a cabeça que trava o coração, as pequenas coisas que parecem derrotar as grandes, um sufoco inexplicável que aparece onde antes estava a intimidade." E pronto, já está tudo estragado. Acaba-se a festa, o delírio, o fogo-de-artifício, o sabor da novidade e onde vamos parar? Ao vazio. Ao abismo. Ao grande buraco negro dessa coisa horrível e inevitável que se chama depois, depois de se apagar a chama. É esta a condição humana, doa a quem doer.
Ou então, a ironia da vida separa os amantes para sempre e o fim do amor é o início do mito do amor eterno. Pedro e Inês foram sepultados de frente um para o outro, para que se pudessem ver, caso regressassem ao mundo. Romeu e Julieta nunca mais se separaram no imaginário Ocidental. Dante viveu para sempre ao lado de Beatriz, a Penélope recuperou o seu guerreiro depois de 20 anos de espera.
O amor esse mistério que antecede a vida e sobrevive à morte, reina como um tirano por cima de todas as coisas, mas poucos são os que o conseguem agarrar. É mais difícil de alcançar do que o Olimpo, porque não está nem no céu nem na terra, paira como uma substância invisível, mais leve que o ar, mais profundo que toda a água dos oceanos. Talvez seja apenas uma invenção dos homens para fugir à morte. Ou talvez tenha outro nome na bioquímica. Mas não podemos viver sem ele e quando o perdemos achamos que nunca mais o vamos conseguir encontrar.
Jornal de Noticias
Domingo, 13 de Março de 2005
Margarida Rebelo Pinto
Domingo, 13 de Março de 2005
Margarida Rebelo Pinto
2 comentários:
Obrigada por este post :) É bom ler sobre o amor :)
Excelente crónica da Margarida.
Adorei.
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